segunda-feira, 18 de junho de 2012


Texto de Roselene de Araujo que merece ser lido, espalhado, curtido! Ela eh uma das mentes mais brilhantes da humanizacao:
" Nossos obstetras, agarrados ao osso do nascimento cirúrgico, erguem como um trunfo o corpo da ativista australiana morta (aliás, no hospital).

E escondem em seus armários os corpos das mortes em decorrência de cesarianas desnecessárias, eletivas, agendadas, aquelas que a sociedade vê como "o médico fez tudo que era possível, fez a cesárea, tudo direitinho".

Marsden Wagner, quando Diretor de Saúde Materno-Infantil da Organização Mundial de Saúde, alertou para o número alarmante de mulheres que morriam anualmente no Brasil em decorrência dessas cesarianas: 500 mulheres!

Quando a Rede Parto do Princípio denunciou ao Ministério Público Federal, as taxas absurdas de cesarianas na rede suplementar, Marsden Wagner enviou uma mensagem pessoal:

"Gostaria de parabenizá-las pela realização deste importante trabalho pelo fim das cesarianas desnecessárias no Brasil. A mortalidade materna no Brasil é alta demais e é a maior entre as maiores taxas de cesárea do mundo. Bons trabalhos mostram que a taxa de mortalidade de mulheres que passam por cesarianas eletivas é aproximadamente 3 vezes maior que as que passam pelo parto normal. Centenas de mulheres morrem anualmente devido a cesarianas desnecessárias. O trabalho de voces é muito importante. Por favor, mantenham-me informado.

Sinceramente,
Professor Marsden Wagner M.D.
Diretor de Saúde da Criança e da Mulher
Organização Mundial de Saúde"

" Outra coisa.

Não existe um procedimento chamado "cesariana a pedido". Não no mundo da legalidade.

Se há obstetra despudorado o suficiente para lançar esta frase como indicação de cirurgia num prontuário, das duas uma: ou é petulância, ou ignorância.
Portanto, não digam - srs obstetras, cremesp, sociedade - que fazem cesarianas porque as mulheres querem: os senhores NÃO PODEM fazer cesariana "a pedido". Se pudessem, se isto fosse um direito, o mesmo direito estaria disponível às mulheres que utilizam o SUS. Direito não envolve poder de compra.

É por isto que o agendamento sempre vem acompanhado de uma indicaçãozinha básica: "vamos marcar, porque logo se vê que você não tem passagem!" E então o prontuário pode ser preenchido com a devida vênia: "desproporção céfalo-pélvica".

Quase toda indicação nasce dos laudos de ultrassom: "hum... tá com pouco líquido, hein? vamos marcar." hum... placenta velha. cordão enrolado. bebê muito grande.

E mesmo as cesáreas descaradamente agendadas, a pedido mesmo, para 11/11/11, ou de modo que não seja de capricórnio, doutor, pelo amor de deus que já basta o meu marido - mesmo pra estas sempre rola um comentário: "viu como foi fazer a cesárea? olha só, as circulares do cordão!" - afinal o doutor terá que em seguida lançar uma indicação no prontuário, e a barbárie ainda não chegou ao ponto de se poder assumir: "cesariana por motivo astrológico".

E por que não se institui logo a cesariana a pedido para todos? Afinal, as maternidades particulares são formatadas para as cesáreas em série, os consultórios estão organizados em função dos dias em que o doutor opera e os dias em que está no consultório, as faculdades de medicina ensinam que cesariana é a regra, então por que não regularizam logo a esbórnia?

Primeiro, que o país é grande e contrastante demais para dar conta da cesárea como "direito de escolha". Não há hospitais em todos os recantos recônditos desse mundão. Aliás, pelo mesmo motivo não se pode, por exemplo, proibir o parto domiciliar assistido por parteira. Simplesmente porque não há outra alternativa para grande parte das brasileiras - sorte das mulheres urbanas que desejam parir de forma desmedicalizada, como recomenda a Organização Mundial de Saúde para o baixo risco - ou seja, para a grande maioria das mulheres.

E nesse conflito encontramos ainda outro ponto nevrálgico: onde irão encontrar nossos chefes de tocoginecologia, material didático melhor do que mulheres parindo em seus hospitais-escola para o aprendizado de seus residentes? Períneos em abundância para o treino de corte e costura! Episiotomias e suas episiorrafias em 100% dos partos! Tão necessário quanto cortar nossos esfíncteres a cada excreção "só pra dar uma ajudinha, senão não sai!" E o uso de fórceps em todas as primíparas - também para fins didáticos - sem nenhum tipo de esclarecimento à mulher, que sai de lá carregando pro resto da vida o peso de seu filho "ter precisado ser puxado a fórceps"?

Portanto, tenhamos clareza: quando um médico vira objeto de preocupação interestadual de conselhos de medicina por dizer num programa de televisão que o parto é um evento FISIOLÓGICO - ou seja, saudável e feito pelo corpo da mulher, que não haja dúvida: a árvore da conveniência intervencionista é que está sendo balançada.

Se a preocupação fosse com a mulher e seu bebê, não teríamos as taxas que temos de "binômios" levados a risco cirúrgico desnecessário, não teríamos o assédio moral da violência obstétrica vivenciada por milhares de mulheres todos os dias, parindo ao som de "na hora de fazer foi bom, que que tá gritando agora?!?"; não teríamos mulheres parindo convertidas em material didático das escolas de medicina; não teríamos classes de profissionais de saúde se engalfinhando pela reserva de mercado da assistência ao parto. A lista continua.

A cesariana a pedido é uma ilusão, uma miragem na qual os obstetras querem mais é que todos acreditem. Não sou contra que este direito exista, apenas penso que as mulheres que o desejam, devam lutar por sua legalização. Porque hoje, toda cesariana sem indicação comprovada é passível de processo, pois contradiz a responsabilidade civil do médico, que entre outras premissas baseia-se no seguinte artigo de seu código de ética:

"Art 14 Praticar ou indicar atos médicos desnecessários (...)"."

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Marcha do parto em casa - locais



Rio de Janeiro - RJ
Local: Praia de Botafogo, altura do IBOL - Passeata até o CREMERJ (Rua Farani)
Data: 17 de Junho, domingo
Horário: 10h da manhã
Contatos: Ingrid Lotfi (21) 9418-7500

São Paulo - SP
Local: Parque Mário Covas (atrás do Trianon) - Passeata até o CREMESP
Data: 17 de Junho, domingo
Horário: 14h da tarde
Contatos: Ana Cristina Duarte (11) 9806-7090

São José dos Campos - SP
Local: Praça Affonso Pena perto dos brinquedos
Data: 16 de junho, sábado
Horário: 10h da manhã
Contato: Flavia Penido (12) 91249820

Campinas - SP
Local: Praça do Côco /Barão geraldo
Data 17 de junho, domingo
Horário: 14h da tarde
Contato: Ana Paula (19) 97300155

Sorocaba - SP
Local: Parque Campolim
Data 17 de junho, domingo
HOrário: 10h da manhã
Contato: Gisele Leal (15) 8115-9765

Ilhabela - SP
Local: Praça da Mangueira
Data: 17 de junho, domingo
Horário: 11h da manhã
Contato: Isabella Rusconi (12) 96317701 / Alejandra Soto Payva (12) 91498405

Brasília - DF
Local: próximo ao quiosque do atleta, no Parque da Cidade - Passeata até o eixão
Data: 17 de Junho, domingo
Horário: 09h30h da manhã
Contatos: Clarissa Kahn (61) 8139-0099 e Deborah Trevisan (61) 8217-6090

Belo Horizonte - MG
Local: Concentração na Igrejinha da Lagoa da Pampulha
Data: 16 de junho, sábado
Horário: 12h30 da tarde
Contato: Polly (31) 9312-7399 e Kalu (31) 8749-2500

Recife - PE
Local: Conselheiro Portela, 203 - Espinheiro - Em frente ao CREMEPE
Data: 17 de junho, domingo
Horário: 15h da tarde
Contatos: Paty Brandão (81) 8838 5354 \ 9664 7831, Patricia Sampaio Carvalho

Fortaleza - CE
Local: Aterro da Praia de Iracema
Data: 17 de junho, domingo
Horário: 17h da tarde
Contato: Semírades Ávila

Salvador - BA
Local: Cristo da Barra até o Farol
Data: 17 de junho, domingo
Horário: 11hrs da manhã
Contato: Daniela Leal (71) 9205-9458, Anne Sobotta (71) 8231-4135 e Chenia d'Anunciação (71) 8814-3903 / 9977-4066

Curitiba - PR
LOcal: Rua Luiz Xavier - Centro - Boca Maldita
Data: 16 de junho, sábado
Horário: 12hrs
Contatos: Inês Baylão (41) 9102-7587

Florianópolis - SC
Local: Lagoa da Conceição - concentração na praça da Lagoa, onde acontece a feira de artesanatos
Data: 17 de Junho, domingo
Horário: 15h
Contatos: Ligia Moreiras Sena (48) 9162-4514 e Raphaela Rezende (raphaela.rnogueira@gmail.com)

Porto Alegre - RS
Local: Parque Farroupilha (Redenção), Concentração no Monumento ao Expedicionário
Data: 17 de junho, domingo
Horário: 15:00hrs
Contatos: Maria José Goulart (51) 9123-6136 / (51)3013-1344

terça-feira, 12 de junho de 2012

Marcha do parto em casa




O CREMERJ está querendo processar o Dr. Jorge Kuhn, de São Paulo, por conta deste assistir partos domiciliares. Justo o conselho do RJ, um dos estados da federação com maior número de cesarianas eletivas! Não deixem de ir! Tá acontecendo em vários estados, conforme forem surgindo novas informações, posto aqui.

entrem no grupo da marcha pra nos ajudar a articular: 
http://www.facebook.com/groups/328670400544557/



(fragmento de "No Caminho com Maiakóvski", de Eduardo Alves da Costa)

"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."



(postado pela Alaya, no facebook)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Relato de nascimento da Aurora - cesárea desrespeitosa no hospital Sofia Feldman

1 ano e 9 meses depois cá estou eu, revivendo esse dia que foi ao mesmo tempo o melhor e o pior da minha vida. Já tinha escrito antes um relato cheio de dor e emoção e agora, com um pouco mais de frieza e análise das coisas, tô conseguindo vomitar tudo o que aconteceu nesse dia. O relato é longo, mas é meu, carregado de mim e das minhas impressões. Espero que valha a pena ler!


Eu engravidei num momento em que total não era pra eu engravidar. Faculdade em outra cidade, longe da minha mãe e namorando há pouco tempo com o meu então melhor amigo daqui de Lavras. Nas férias eu descobrí a gravidez e foi aquele rebú: não sabia se ele ía assumir, como que a gente ía se sustentar e sustentar o bebê e tudo o mais. Com 8 semanas, ainda na casa da minha mãe no Rio de Janeiro, eu falei com a minha amiga Maíra, enfermeira em BH, se ela tinha algum médico pra me indicar em Lavras pois eu já tinha lido muito sobre parto e queria normal e humanizado. Antes de engravidar eu sempre fui fissurada por assuntos femininos e minha mãe sempre lembrava com um sorriso nos lábios o dia que eu nasci, dizendo o quanto foi rápido e que eu queria nascer, que fiz força pra sair e de como ela levantou sozinha após dar a luz e foi tomar banho, me dar de mamá e etc. Assim eu começei lá pelos meus 16 anos a pesquisar sobre a gravidez e conhecí e me encantei pelo parto humanizado. Achava que conseguiria pelo menos um parto normal em Lavras e a Maíra me indicou a lista do yahoo do grupo Parto Nosso, onde eu conheci a doula Rebeca que me orientou a gestação inteira. Com 8 semanas lá estava eu na lista pesquisando e me informando. A Rebeca me adicionou no msn e fomos conversando sobre médicos e etc. Assim que cheguei em Lavras, além da mudança (eu e o Lu decidimos de fato ser uma família), a primeira coisa que eu fiz foi pegar a lista do convênio e procurar um obstetra. Achei a Dra. A. que tinha consulta disponível e lá fomos.

Já na primeira consulta (o Lu sempre foi em todas), nos decepcionamos um pouco. O clima estava bem descontraído e tal, mas foi bem diferente do que eu imaginava. A médica passou um batalhão de exames e eu fiquei me sentindo meio doente e estranha, fora que eu esperava que a gente pudesse conversar sobre o parto, a gestação e que ela fosse me ensinar o "ser mãe e ser mulher". Bem, não foi nada disso. 30 min e consulta encerrada. Saí de lá com gostinho de quero mais e achei mudaria com a intimidade, quando a médica me conhecesse melhor.

Passei os 3 primeiros meses da gravidez dormindo. Hoje eu sei que era o meu corpo poupando forças pro que viria, já que eu tenho uma insônia crônica que me assaltou justo no meio da gestação. Eu dormia umas 20h por dia e comia o tempo inteiro em que estava acordada. Acordava pra comer, pois era a única coisa que melhorava o meu enjôo, e voltava a dormir.

Lá pelas tantas, perto dos 4 meses, eu começei a discutir como eu queria que fosse o meu parto com a minha obstetra. Já tinha lido sobre episiotomia, ocitocina, doulas e etc e queria um parto natural, de preferência com doula. Tentei achar uma doula aqui, mas era inexistente. A médica riu de mim, disse que parto humanizado era aquele em que a gestante não sente dor (a.k.a. cesárea), que ela não permitia a entrada da doula pois tinha tido uma experiência ruim com uma e que ela fazia episio pra evitar laceração, coisa que a gente discutiu uns bons 40min pois comoassim evitar uma laceração com um corte de 3 camadas? A Rebeca tinha me passado um questionário pra descobrir se o médico é cesarista e até que ela se saiu bem nas respostas. Nessa altura de campeonato eu achava que era A informada, empoderada e fodona. Sabe, eu sou uma pessoa super arrogante e admito. Não tenho problema nenhum em assumir, e durante a gravidez eu tentei meio que manter isso, mas não fui muito bem sucedida. Achava que bancaria e peitaria a médica na hora P e continuei com ela mesmo sabendo das possibilidades de um parto frankstein (é aquele parto em posição deitada, com episotomia, ocitocina e puxos dirigidos, nos estados unidos eles chamam de "parto estupro", devido a todo o desrespeito que ocorre com a parturiente e o bebê), pois na minha cabeça uma pessoa informada como eu jamais cairia numa cesárea desnecessária, afinal eu tinha estudado TODAS as possibilidades e indicações da cirurgia. Esse foi o meu primeiro erro.  Lá nos 4 meses eu meti na cabeça que ía ter um parto humanizado e tava namorando a idéia de parir no hospital Sofia Feldman em BH, há 200km daqui.

Continuei com essa médica e lá pelos 6 meses ela me passou um exame que o convênio não cobria. Na hora me bateu um estalo e eu perguntei pra recepcionista pra que era aquele exame e conversa vai, conversa vem, descobrí que com aquela médica rolava só cesárea. A recepcionista até riu quando eu falei que teria normal com ela e me disse "ha, a Dra. A. só faz cesárea. Eu mesma queria normal, mas ela só faz marcando". Me convencí a ir pra BH, e agora eu tinha a dificuldade de fazer o Lu entender que era melhor largar o convênio e parir no SUS de BH do que aqui. Meu método de convencimento foi o melhor: se você não for comigo, eu pego um ônibus e vou sozinha e nunca mais te perdôo por não me apoiar nisso. Passaram-se uns dias e a gente começou a arquitetar como iria fazer e eu começei a minha busca por um médico plano B pro caso de eu entrar em trabalho de parto antes de ir pra BH. Fui em 4 dos médicos da lista do convênio e desistí. Nisso, minha mãe (que é quase o meu guru) começou a ficar preocupada e queria que eu tivesse um parto domiciliar. Eu, imbecil, não me sentia segura pra tal. Desconfio que se ela tivesse o telefone da Rebeca, as duas teriam armado tudo e me pego de surpresa. Começei a flertar a idéia do PD (parto domiciliar), mas não queria parir aqui, além do que, caso precisasse de transferência pro hospital, ía cair numa cesárea sem sombra de dúvidas, pois os hospitais daqui são muito ruins e os médicos todos cesaristas.

Passei a gestação inteira com pequenos sangramentos que me fizeram parar a minha dança do ventre e os meus exercícios. Passei 1 mês quase sem ir pra faculdade de repouso absoluto e cagando de medo de perder o bebê. Foi assim que eu parei de fumar. Naquele primeiro sangramento, de madrugada, o Lu saiu pra comprar o remédio que a GO tinha indicado pra parar o sangramento e, assim que ele chegou, me contou que era um anti-abortivo. Gelei, meu coração parou e naquela hora eu decidí que não ía ser meia mãe: percebí que eu era responsável por aquela criança e que tudo o que eu fazia a afetava, e que mesmo fumando só meio cigarro por dia, esse meio cigarro a estava prejudicando. Não fumei mais e os sangramentos me acompanharam quinzenalmente até o final da gestação e me renderam, além de achar que meu corpo era falho, uma encucação sem motivos e um excesso de peso, pois eu não parava de comer e não podia andar. Aqui eu percebo o meu segundo erro, que foi me manter sedentária durante a gestação. Logo eu, que sempre fui esportista, que andava pra cima e pra baixo, fazia handball, academia e natação, fiquei prostrada num sofá por 9 meses, com medo da minha filha morrer. Todo mundo fala que não precisa ser esportista pra ter parto normal. De fato, não precisa, mas como se chama trabalho de parto, ter um bom condicionamento físico ajuda muito, principalmente em caso de partos longos que exigem muito do corpo.

Nas férias de Julho o pai do Lu nos emprestou um carro e lá fomos nós conhecer o hospital Sofia Feldman. Chegando lá, parecia um sonho! A ouvidora nos mostrou tudo, a casa de parto super aconchegante, com banheira, jardim, bola, barra pra apoiar, refeitório, enfim, aquele clima bem caseiro sabe? Me sentí no paraíso, pensando que não poderia ter escolhido lugar melhor pra minha filha nascer. Conhecemos também a parte do hospital (lá a casa de parto é anexa ao hospital), que eu jamais sonharia que ficaria lá. A ouvidora nos mostrou a sala de cirurgia, e ainda riu e brincou comigo, dizendo que aquela parte eu nem precisava me preocupar pois já que eu queria parto normal, iria direto pra casa de parto mesmo, e que cesárea lá só em caso de emergência. Saí de lá aliviada, o Lu também gostou muito, e estava muito segura e confiante de ter feito a opção de me deslocar 300km pra minha filha nascer. Na minha cabeça, a única opção melhor seria o parto domiciliar, mas como eu não bancava e não tinha hospital bom pra caso eu precisasse de transferência, o Sofia Feldman foi sem dúvidas a melhor opção que eu poderia fazer naquele momento.

Os 9 meses se passaram e nós conseguimos convencer nossos pais a pagarem um hotel em BH pra esperarmos a Aurora nascer. Fomos pra lá com 38 semanas, e todo dia alguém da família ligava pra saber se eu já estava sentindo alguma coisa. Foi um tormento, porque além de não conhecer ninguém lá, não conhecer a cidade e não saber o que fazer, ficamos os dois enfiados no quarto do hotel. A cada ligação eu ficava mais nervosa, achando que meu corpo estava me boicotando, que minha filha não ía nascer, pensando nos meus bichos que tinham ficado em Lavras, pensando que eu poderia estar na minha casa, segura, me sentindo amparada no meu ambiente. A certa altura eu quase fiz minhas malas e voltei, pois estava certa de que aquela criança não queria nascer. Lá pelas tantas, resolvemos ir novamente ao hospital por sugestão das meninas da bem nascer (nisso eu estava sem obstetra e sem me consultar, mas não achava que constituísse num problema, pois a Aurora sempre se mexeu muito e eu estava ok, com a pressão boa e tudo o mais), e lá marquei uma consulta pro dia 6/9 (dia da minha data de previsão do parto, em que eu completaria 40 semanas de gestação) e recebí um escalda pés maravilhosos, com direito a música, mentalização e tudo o mais. Saí de lá revigorada, de bom humor, sem medo de nada, a frustração tinha acabado. Esse dia era 3/9/2010, às 9h da manhã. Pegamos o ônibus e voltamos pro hotel. Às 15h minha bolsa estourou. Eu rí, contei pro Lu, mandei uma menssagem no msn pra Rebeca, que me orientou a descansar, pois eu estava sem contrações. Liguei pra minha mãe (que viria acompanhar o nascimento e estava no RJ) e pra minha sogra (que também ía vir de Ribeirão Preto pra ver a neta nascer) e falei pra elas virem tranquilas, pois eu não tinha contrações. Fui ao shopping, comprei minha camisola da maternidade, comprei lanches, fui ao mercado comprar isotônico pra me ajudar no trabalho de parto (já que no hospital a gestante é estimulada a comer e beber o que quiser) e voltamos pro hotel. Minha mãe chegou às 22h, e eu continuava sem sentir nada. Falei de novo com a Rebeca que ligou pra uma enfermeira amiga (vou chama-la de enf. S.) dela que estava de plantão no Sofia e se colocou à disposição caso eu quizesse ir verificar se de fato era a bolsa. Como a Aurora estava se mexendo muito e eu já havia lido que não precisa sair correndo igual uma louca pro hospital, decidí que ía dormir e que de manhã iria no hospital pra ver a quantas andava a coisa. De madrugada começei a ter contrações. Elas vinham de 5 em 5 min, depois passou de 3 em 3min, e lá pra perto de amanhecer, começaram a vir a cada minuto, com duração de 30s cada uma. Acordamos todos e fomos pro hospital. Já no carro as contrações deram uma parada, mas ainda estavam lá. No hospital, fiquei algum tempo na recepção esperando atendimento e fui bem específica de que queria ir pra casa de parto. A enf. S. me atendeu, fez o exame de toque e constatou que eu estava com 1cm de dilatação e colo posterior. Me disse também que eu só poderia ser admitida na casa de parto com 4cm de dilatação e que minhas contrações ainda estavam fracas (nessa hora elas quase tinham parado). Ela falou com o Dr. J., que tb estava de plantão, que me recomendou voltar ao hotel e dormir, e que eu voltasse às 17h pra eles darem uma olhada. Fui dormir, mandei uma outra menssagem pra Rebeca que me mandou descansar e que mais tarde nos faríamos o trabalho de parto engrenar. A essa altura minha sogra já havia chegado à BH e eu fui pro quarto dormir. Não conseguí. As contrações estavam muito leves, uma "coliquinha boba" e eu sabia que não era hora de ir pro hospital, mas as pessoas começaram a ficar afobadas. Por insistência da minha mãe e medo meu, voltamos ao hospital às 17h, onde foi feito um novo exame pela enfermeira B. e constatado que eu continuava com os mesmos 1cm, mas meu colo agora estava anterior, ou seja, começando o processo da dilatação. o Dr. J. estava mudando de plantão e o obstetra que assumiu, o Dr. Paulo, recomendou a internação. Eu tremi dos pés à cabeça, a Rebeca me ligou e me recomendou a aceitar a indução, e se ofereceu pela milésima vez pra vir me acompanhar, ao que eu novamente recusei, pois não queria ninguém além do Lu e da minha mãe alí. Eu sabia que não era hora, sabia que meu corpo não estava pronto e que eu precisaria passar por um processo muito longo pra minha filha nascer. Minha mãe nessa hora já estava em pânico, minha sogra ídem e lá fui eu com o Lu, como quem vai pro abate, aceitar a indução. Eu sabia que a indução era extremamente dolorosa, que podia dificultar o processo de nascimento em alguns casos, mas eu sempre fui corajosa e aguentaria a dor. Eu sempre tive um resistência monstra pra dor, que aumentava ainda mais em casos de necessidade. Quando estávamos entrando no hospital (como eu estava com bolsa rota há mais de 24h, não poderia ser admitida na casa de parto), eu segurei a mão do Lu e falei pra ele que iria ser cesárea, que eu sabia disso. Ele me disse que não, que era só indução e que isso iria ajudar a Aurora a nascer. Eu já tinha entregue o meu plano de parto pra enf. S. e ela tinha lido e visto quais intervenções eu não gostaria que fizessem comigo e com a minha filha. A enf. S. e a enf. B. se propuseram a se revezar nos cuidados comigo e ficarem o quanto fosse necessário até que Aurora nascesse. Fui pra um lugar "especial", sozinha com o Lu, sem outras gestantes por perto. Lá colocaram o cardiotoco na minha barriga (pra saber se o bebê estava bem e verificar as contrações) e viram que os batimentos da Aurora estavam ótimos, mas as contrações estavam "ineficiente" (hoje eu sei que aquilo eram só pródromos, que era o meu corpo se preparando pra ela nascer e que aquilo ainda poderia demorar muito). Aí começou o show de horrores. Um técnica muito da grossa veio colocar o "acesso" em mim, e demorou uns 30 minutos até achar a minha veia. Ela me cutucou os dois braços e arrebentou a minha mão. Eu saí do hospital com a mão tão roxa que parecia que tinha caído um armário nela. Esse roxo só foi sumir 15 dias depois, tamanho o despreparo da técnica. A enf. B. e uma outra técnica, a tec. L., ficaram um pouco comigo e fizeram uma "dinâmica" pra ver como estavam as contrações e saíram. Fiquei 30min com o Lu na sala, contrações super suportáveis que começaram a apertar e elas voltaram. Fizeram outra dinâmica (apertavam a minha barriga durante as contrações) e decidiram colocar a ocitocina na dose máxima, pois realizaram o toque novamente e eu continuava com 1cm. A enf. B. me disse: "bem vinda ao trabalho de parto, pois agora vai começar de verdade" e eu sorrí, alegre, confiando que iria dar certo. Aí o negócio começou a pegar e eu passei a delirar de dor. A dor que eu sentí é a mesma que as gestantes descrevem quando está muito perto do bebê nascer, quase com dilatação total. Contração é um negócio engraçado. Num trabalho de parto sem intervenção, elas vem em ondas, que vão aumentando gradativamente. A dor que vc sente com a ocitocina é 3x, aproximadamente, maior do que a dor que você sente sem ela. Eu fiquei deitada, pois estava a muito tempo sem dormir e super cansada. Estava disposta a aguentar aquilo pra minha filha sair pelo buraco que ela entrou, afinal eu conhecia os riscos da cesariana e tinha muito medo de morrer ou de acontecer alguma coisa com ela. de 30 em 30min vinha alguém me fazer o toque, constatar que não havia evoluído, e saía. Lá pelas tantas eu me irritei e decidí que ía andar. Andar com aquela porcaria daquele negócio que prende o soro é anti-esportivo. Sério, aquilo atrapalha muito! Nessa hora o Lu (ele saiu pra comer alguma coisa) trocou e minha mãe entrou. Foi a pior cagada que eu poderia ter feito, porque a minha mãe, que sempre é a pessoa mais racional do mundo, simplesmente pirou. Eu agachava durante as contrações no meio do corredor do hospital, com aquela camisola que mostra até a sua alma, sem a mínima dignidade, com todos que passavam me olhando como se eu fosse uma maluca, e minha mãe, ao invés de agachar comigo e segurar minha mão, ficou tão desorientada que foi conversar com as enfermeiras. Eu levantava e agachava, levantava e agachava, a cada contração, na esperança de ajudar em alguma coisa. Eu fiquei tão irritada com a minha mãe, que só conseguia brigar com ela. Eu tinha muito medo dela surtar (ainda mais), de apertar a mão dela e machucar, enfim, dexei ela conversando com a enf. B. e lá pelas tantas ouvi a enf. dizer pra minha mãe que eu não ía aguentar. Aquilo foi o fim. Toda a minha esperança foi pro ralo ao ouvir aquilo. Eu fiquei com tanto ódio, tremia tanto, que minha vontade era de bater nas duas e sair dalí correndo. Devia ter ouvido o meu instinto e ter feito isso, mas de fato eu não tinha pra onde ir, nem pra quem pedir socorro, já que já tinha dispensado a Rebeca. Expulsei a minha mãe e pedi pra chamarem o Lu, que veio correndo. Fomos pra debaixo do chuveiro, e nisso eu já estava com muita dor. Eu achava que aquela dor era a pior que eu já tinha sentido na minha vida. Naquela altura eu achei que já devia estar bem dilatada, rebolava na bola, tentei vocalizar mas não conseguí, e toda hora me passava pela cabeça um texto da Ina May Garskin, parteira, que dizia que os esfincteres são tímidos e que se a mulher não se sente segura, não dilata. Aquele ambiente de hospital, de doença, de sofrimento, me deixava apavorada. Quando as enfermeiras e técnicas não estavam por perto, eu só conseguia sentir um misto de alívio (por finalmente ser deixada em paz, por pararem com os toques excessivos e as dinâmicas doloridas, por não ser tratada como uma bomba relógio) e muito abandono, me sentia largada, sem nenhuma explicação, nenhuma ajuda (o Lu fez o que pode, mas ele nunca tinha acompanhado um parto, não sabia como agir e estava mega preocupado comigo). A doula aqui teria sido crucial pro bom funcionamento do parto, e novamente eu colhi os frutos da minha arrogância, de me achar a fodona, de achar que por suportar bem a dor e conhecer o processo de nascimento, eu não sentiria medo. O medo me bloqueou de tal forma que eu só queria que aquilo tudo acabasse. Sentia que meu corpo não era mais meu, que pertencia à equipe. Não havia em mim nem um resquício de instinto de preservação, de dignidade. A cada 30min eu era invadida por alguém da equipe que vinha ver a minha dilatação, apertar a minha barriga, olhar o cardiotoco. Meu corpo foi totalmente exposto, me sentia um rato de laboratório, com aquele entra e sai, enfermeiras explicando procedimentos pras técnicas e estagiárias, e me usando pra demonstração. Era quase como se eu não tivesse alí, como se eu fosse um boneco anatômico, uma bomba relógio, como se eu fosse matar a minha filha. Quando eu já não aguentava mais na bola e decidí sair do chuveiro e me deitar de novo pra tentar descansar, ouví a parturiente da "baia" ao lado que também estava induzindo implorar por uma anestesia e o médico dizer que só fazia depois dos 6cm, e que ela estava com 5cm e que poderia atrapalhar. A mulher suplicou uma pá de vezes pela anestesia e não foi atendida. Eu não queria pedir anestesia pois sabia que poderia prejudicar o processo, eu queria sentir minha filha nascer. Hoje eu percebo que poderia ter tomado e dormido um pouco, relaxado, mas enfim, também não me foi sugerido. Novamente a enf.B. e a estagiária L. voltaram pra fazer a dinâmica e o toque e disseram que eu estava com 3cm, quase 4cm, e que o médico viria me avaliar. Nossa, eu achava que seria bem mais. A cada toque que eu levava, além de dor, eu sentia muito pesar, como se meu corpo estivesse me abandonando, me deixando na mão. O médico, Dr. Paulo, estava discutindo o meu caso com a equipe, aos berros. A equipe tentou me ajudar, segurar o médico pra ele me deixar quieta com o meu processo de parto, mas ele quis ver o meu prontuário. Entrou na minha "baia" como quem entra com um furacão do lado de fora, e os 3cm que a enf. B. havia diagnosticado, se transformaram novamente em 2cm. Já tinham passado 4h de indução. O Dr. Paulo foi extremamente grosseiro, invasivo, desumano, sem educação e bossal. Mal falou conosco, abriu minhas pernas e enfiou os dedos, assim, como quem enfia o dedo num pote ou abre uma torneira. Nem olhou pra minha cara. Além dos berros, começou a dizer que eu já deveria ter dilatado. Que a moça ao lado estava na indução também e que já estava com 5cm, que eu deveria dilatar 1cm por hora e que àquela altura já deveria estar com pelo menos 6cm. Eu tentei argumentar que a enf.B. havia constatado 3cm, tentei chamá-la, mas foi em vão, pois ela não podia peitar o médico. A arrogância e prepotência daquele homem tomaram o quarto inteiro. Ele novamente recomeçou a gritaria e disse que iria me fazer a cesárea. Meu coração gelou eu pedi que esperasse, ao que ele foi criterioso que não esperaria. Argumentei que na holanda se esperavam 48h de bolsa rota até partir pra indução, que a indição demorava e etc (isso tudo ainda com a ocitocina, morrendo de dor, tremendo dos pés à cabeça, completamente vulnerável). Ele riu. Assim, riu sabe? Sabe quando vc rí alto de uma piada muito engraçada? Riu na minha cara, riu da minha dor, do meu desespero e do meu pânico. Disse que na Holanda se esperavam 48h de bolsa rota mas que ele era um obstetra brasileiro que não deveria ter esperado nem 12h. Que eu já deveria ter sido cesariada há muito mais tempo. Novamente eu falei em assinar um termo de compromisso, que eu me responsabilizava, que o cardiotoco da Aurora estava ótimo com os batimentos perfeitos e que não eu processaria o hospital caso desse algo errado, que eu queria esperar. Ele simplesmente me disse "que termo de compromisso oq menina, isso não serve pra nada", riu novamente e me deixou falando sozinha.

Do lado de fora da "baia", ouví a equipe conversar sobre cesárea humanizada, que não era possível, que isso não existia. Ouví novamente as enfermeiras tentando argumentar com o médico, insistindo pra ele esperar, mas ele só gritava algo que eu não conseguia ouvir. A enf. B. entrou, com um olhar triste, e eu realmente não me lembro oq ela me falou. Nessa hora eu já tinha desistido, e só queria que aquele pesadelo acabasse. Eu tinha movido mundos e fundos pra ter minha filha de forma respeitosa e digna, e tudo o que eu tinha conseguido era gastar rios de dinheiro e um médico grosseiro.

Uma nova técnica veio me preparar pra cirurgia. Ela foi super grossa, me mandou tirar os pircings, num mau humor horrendo. Eu não conseguí tirar os da orelha, pois esses só saem com alicate, e ela começou a me falar um monte (que eu nem lembro, pq tava com muita dor), que eu não queria tirar, que daquele jeito eles iriam rasgar a minha orelha na cirurgia, que se eu precisasse ser entubada isso dificultaria e etc. Ela me segurou e falou pro anestesista vir. Eu pedí pra ela esperar a contração, pois estava tendo uma naquele momento e ela me mandou ficar quieta, brigou comigo, que assim ela não conseguiria trabalhar, que eu estava dificultando tudo, que iria ficar tetraplégica se não parasse de me mover e que estava atrasando o funcionamento do hospital. O anestesista, o único que teve bom senso naquele dia, esperou passar a contração e aplicou a anestesia. O Lu chegou, já vestido com aquela roupa de sala cirurgica, e eu só conseguia sentir muito medo. Pedi pra ele cuidar da Aurora, pois eu tinha certeza de que algo sairia mal. Eu chorava muito, copiosamente, e as pediatras e técnicas zombavam de mim, dizendo que aquilo acontecia com todas as mulheres, todos os dias, e que não era motivo pra choro. Que eu seria só mais uma a ter uma cesárea, que aquilo era um porcedimento totalmente normal. Na minha cabeça só me passavam as estatísticas de mortalidade materno-infantil. Fiz o Lu me prometer que não desampararia a nossa filha, que cuidaria dela se me acontecesse algo.

O cheiro de carne queimando durante a cirurgia, por causa do bisturi elétrico, é simplesmente horrível. Apesar da anestesia, eu sentia o bisturi entrando, sentia ele rasgando a minha carne. Tinha vontade de correr, mas minhas pernas não funcionavam. Minha mãe estava do lado de fora, na janelinha, me olhando, e chorava tanto, como quem pede desculpas. Eu só queria sair dalí. Parecia que tudo o que eu tinha pedido pra  fazerem no meu plano de parto, estava sendo feito ao contrário, como se eu fosse uma maluca por "arriscar a filha durante 36h por um capricho de ter um parto normal". Ninguém falou comigo. Não explicaram o que estavam fazendo, não olhavam pra mim. Eu não existia alí. A equipe só tinha uma preocupação: extrair o bebê daquela lunática, como se meu corpo estivesse matando a Aurora, como se eu fosse um perigo mortal pra ela. A sensação que eu tinha era de ser uma maluca de hospício, amarrada naquela maca, completamente vulnerável e indefesa, sem saber o que estava acontecendo. Tinha escrito no plano de parto que, caso a cesárea fosse necessária, queria ter meus braços livres como eu havia visto em cirurgias humanizadas, queria ver quando a Aurora saísse da minha barriga e amamentá-la ainda na mesa cirurgíca, como acontece em muitos outros lugares. Eu só soube que íam tirar a Aurora porque perguntei pro Lu e ele foi ver. Ele que me avisou que ela estava nascendo, que aqueles puxões que eu estava sentindo eram o médico extraindo nossa filha da minha barriga. Eu chorei muito, chorei a cirugia inteira, e ninguém me dava uma palavra de consolo, de apoio, nenhuma explicação, nada. Eu não existia praquelas pessoas. Quando tiraram a Aurora, mostraram pra minha mãe através do vidro e fizeram os procedimentos nela. Todos os procedimentos que eu pedí pra não fazerem, foram feitos. Eu ouvia o choro dela e pedia desculpas por não poder pegá-la. Me sentia um monstro por não poder estar com a minha filha. Parece que demorou uma eternidade até me trazerem ela por breves 5s. Todo mundo viu a Aurora antes de mim. TODOS. Eu fui a última pessoa a vê-la, e mesmo assim por pouquissímo tempo. Nessa hora eu avisei que iria vomitar. O Lu pediu ajuda pra equipe e mandaram ele virar minha cabeça de lado. Vomitei. A pior coisa da vida é vomitar com o seu corpo aberto. Parecia que todos os meus órgãos íam pular pra fora! Eu não podia me curvar por causa da anestesia e por ainda estar aberta, e vomitar deitada, amarrada e numa sala fria, foi uma sensação péssima. O Lu ficou lá uns bons minutos pedindo um pano pra me limpar e ninguém queria dar. Falaram pra me deixar daquele jeito que depois limpavam. O anestesista deu um pano pra ele e ele me limpou, mas isso demorou bastante. Mandei o Lu ir ficar com a Aurora, que ela precisava mais dele do que eu, e ele foi. Começei a tremer muito, meus braços estavam descontrolados, parecia que eu tinha levado um choque. Eu pedí muito pra me cobrirem, pois o frio era insuportável. Novamente alguém riu (não me lembro quem, pois nessa hora já estava tudo nebuloso) dizendo que não ía adiantar, que aquilo era efeito da anestesia. Chorei tanto, tanto, que o anestesista novamente decidiu ser um humano e me cobriu. O Lu e a Aurora saíram do quarto e me apagaram. No plano e parto eu tinha dito que não queria que me dessem a sedação, o que novamente não foi respeitado. Na Aurora fizeram tudo: colírio de nitrato de prata (eu fiz pré-natal e não tenho gonorréia, o que tornava o uso do colírio, que dá uma conjutivite química no bebê, completamente dispensável), vitamina K injetável e aspiraram (enfiaram um tubo no nariz dela, sem anestesia nem nada). Eu choro sempre que penso nisso, pois nem viajando 300km, indo pra um hospital humanizado, referência como hospital amigo da criança, tinham respeitado os direitos da minha filha e os meus pedidos. Acordei naquela sala fria, sem ninguém. Fiquei em pânico e nessa hora alguém entrou, novamente com muita má vontade, e eu perguntei aonde estava minha filha. O Lu apareceu na porta da sala de cirurgia, com a Aurora no colo, já vestida, e disse que já íam me levar pro quarto. Lembro da dor. Mesmo anestesiada, sentí quando me colocaram na cama, como se eu fosse um saco de batatas. O baque fez os pontos doerem. Fiquei numa cama, suja de sangue e de urina, até a manhã seguinte. Aurora só foi amamentado 50min depois de nascer, sendo que eu tinha pedido pra amamentar ainda na sala de cirurgia pois sabia o quão importante era amamentar na primeira hora de vida. Alguma técnica veio, apertou meu peito e colocou ela lá. Eu não sentia nada além de tristeza. O maior momento da minha vida, o melhor, o encontro com o meu maior amor, tinha sido roubado. Eu mal conseguí olhar praquele bebê. Tinha vergonha dela. Vergonha de ter feito ela passar por tudo aquilo, vergonha de ser incapaz de parir. Só conseguia pedir desculpas internamente, por ela ter que passar por tudo aquilo por culpa minha. Fizeram tudo contra a minha vontade, sem a minha autorização ou do pai dela. Não nos explicaram nada sobre os procedimentos, sobre o que aconteceria com ela e comigo. Nos deixaram num vazio de informações absurdo.

No dia seguinte houve uma reunião de mulheres recém paridas e as psicólogas do hospital pediram pra gente avaliar o atendimento. Eu falei que tinha sido ruim e tudo o mais, ao que me foi respondido: "você está achando tudo isso porque não queria a cesárea". Na hora eu não entendí o que tudo aquilo significava, não entendia muito bem o que tinha acontecido e novamente abaixei a cabeça e me calei. Hoje eu vejo o quanto o meu atendimento foi precário, desrespeitoso e que ainda tentaram colocar panos quentes. Pra todas as outras gestantes, o hospital foi humanizado, mas pra mim não. Não entendo como um hospital que é referência em atendimento humanizado à gestante tem um médico que grita com a paciente, uma equipe que a deixa suja de vômito e técnicos e enfermeiras que riem do seu desespero. Pra coroar com chave de ouro, a enf.B. veio dizer pra minha mãe que eu pedí a cesariana. Que eu tinha pedido pra me fazerem a cirurgia. O Lu estava comigo o tempo todo e me disse que eu não pedi, e eu me lembro de não ter pedido também. Não pedí a cirurgia nem anestesia. Tudo o que eu queria era amparo e suporte, coisas esperadas num lugar humanizado, e que me foram negados.

Hoje eu sei que poderia ter esperado mais, que há casos em que se espera 1 semana com monitoração, que não precisava ser induzido. Sei que eu jamais dilataria com aquelas condições, com aquele entra e sai de gente o tempo todo indo olhar a minha vagina, com as enfermeiras dando aulas e explicações sobre o meu corpo como se eu não estivesse alí. O único caminho possível pra mim seria o parto domiciliar. Fiquei muito triste com tudo o que aconteceu e me sinto revoltada, traída e ferida, pois todas as outras gestantes que vão pro mesmo hospital sempre relatam maravilhas. Justo comigo, que queria parir, que tinha me informado durante 9 meses sobre humanização do nascimento, aconteceu tudo ao contrário. Se eu soubesse de tudo isso, teria ficado em Lavras, tido minha filha no hospital daqui e me pouparia dinheiro e muita frustração. Minha cesária foi completamente desnecessária (tendo em vista que os batimentos cardíacos estavam ótimos e a Aurora estava se mexendo super bem durante todo o processo) e desrespeitosa. Dói na minha alma saber que eu e minha filha fomos maltratadas por gente que se prestou a fazer um atendimento diferenciado. Dói saber que fui enganada, que não fizeram nada do que a instituição propunha, que me despiram da minha dignidade e me fizeram uma ferida no corpo e na alma. Posso ter mais 10 filhos e essa dor nunca vai passar. A violência com que fomos tratadas e o desprezo vão ficar pra sempre na minha memória.




sábado, 2 de junho de 2012

nascimento do ponto de vista DO BEBÊ

Postagem inspiradíssima de Ana Paula Caldas, Neonatologista em Campinas/SP

"Após 9 meses, aproximadamente 280 dias, 40 semanas ou 9 luas o bebê finalmente está pronto para nascer. O feto, completamente formado desde as 12 semanas, levou todo este tempo para crescer e amadurecer dentro do útero.
No final da gravidez ele dá sinais que está maduro e inicia-se o trabalho de parto. Sua circulação é inundada de hormônios que sinalizam o nascimento iminente. As contrações uterinas massageiam o seu corpinho e dão a noção do ritmo. Finalmente, a passagem pelo estreito canal de parto comprime o tórax
do bebê, auxiliando na saída do líquido amniótico presente em seus pulmões, boca e narinas. O bebê nasce, e enquanto permanece ligado à placenta pelo cordão umbilical que pulsa não há pressa em respirar. Nos braços da mãe, ele
conhece o novo espaço, espirra, tosse e finalmente respira. Às vezes chora vigorosamente, às vezes apenas resmunga. Em alguns minutos, os pulmões expandem, a circulação fetal deixa de existir e a placenta não é mais necessária. O cordão umbilical para de pulsar e pode ser cortado. Enquanto isso, mãe e filho se reconhecem, trocam cheiros, o som do coração da mãe
acalma o bebê, que lentamente começa a procurar o seio. Depois de mamar, o bebê adormece e descansa por um longo período, se recuperando dessa grande jornada.

A sequência descrita acima foi planejada pela natureza, ao longo de milhares de anos de evolução.
Infelizmente, este processo fisiológico não é respeitado na maioria das maternidades brasileiras. Aproximadamente 40 % dos bebês da rede pública e 80% da rede privada nascem através de cesariana. Grande parte deste número –principalmente na rede privada- correspondem as cesarianas eletivas (aquela
marcada por conveniência do médico ou da mulher ). Nestes casos, o bebê não sabe que vai nascer. Não foi avisado pelo trabalho de parto, não recebeu os hormônios necessários, não sentiu o ritmo das contrações, nem passou pelo canal de parto. Frequentemente estava dormindo no momento do nascimento. Tem que passar de feto a gente que respira em segundos. Seus pulmões, boca e nariz estão cheios de líquido amniótico. Só resta ao bebê aterrorizado a opção de chorar para expandir os pulmões e concluir à força o processo de transição.

A criança é levada a um berço aquecido, onde é vigorosamente enxugada. Geralmente o pediatra introduz uma sonda em sua boca e narinas para aspirar as secreções. A criança é pesada, medida, classificada e identificada. Rapidamente é apresentada à mãe, que não pode segurá-lo porque tem as mãos presas na mesa cirúrgica.

O bebê então é levado ao berçário, onde é colocado em um berço aquecido, observado pela família através de um vidro. Ali ele recebe um colírio de nitrato de prata, cujo objetivo é prevenir uma eventual conjuntivite pela bactéria causadora da gonorréia. É provável que suas pálpebras fiquem inchadas e doloridas em consequência do colírio. Ele recebe ainda uma injeção intramuscular de vitamina K, medicação usada para prevenir um
distúrbio de coagulação.

Através do vidro do berçário observamos o recém nascido, sozinho no berço aquecido. A agressão sensorial foi tamanha que muitos dormem, exauridos. Outros choram e se debatem, observados pela família orgulhosa.

Algumas horas depois, o banho. O recém nascido é lavado com água morna, na banheira ou sob a torneira da pia. É preciso lavá-lo e remover qualquer vestígio de sangue ou vérnix. É necessário que ninguém perceba que o bebê nasceu de um útero, lugar cheio de mistérios. A criança é vestida e finalmente será amamentada.

A mãe recebe o pequeno estranho... que sequer viu nascer através dos panos estéreis da cirurgia. O pequeno estranho não tem seu cheiro, aliás cheira a algum produto químico. O pequeno estranho está sonolento, porque durante o período fisiológico de vigília estava no berçário. Depois de algum esforço, afinal consegue mamar. A natureza felizmente continua sábia e é através da amamentação que a mãe e o pequeno estranho vão enfim criar vínculos."