segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O relato da Thaís: a realidade da violência contra a gestante no Brasil

A Thaís, assim como eu e muitas outras, sofreu assédio moral e maus-tratos durante um momento que deveria ser o melhor da vida dela. Até hoje choro quando leio o relato dela, que é o retrato mais fiel do que acontece com a maioria das mulheres. É exatamente esse tipo de violência que 1/4 das mulheres atestam ter sofrido no momento do nascimento de seus filhos. Depois de ler esse relato você finalmente vai entender porquê uma mulher decide ter seus filhos em casa.

Cecília veio num susto sem nenhum planejamento, pouco mais de um mês após eu e o pai dela juntarmos os panos, moro em Taubaté-SP e não sabia a odisséia que seria tentar encontrar um atendimento obstétrico decente, informado e humano através de um obstetra... E acabei não encontrando mesmo!
Dia 13-04-2011 às 21:20 minha filha foi nascida, com 49 cm, 3.520 kg apgar 9/10

Abandonei a ultima GO com 37 semanas, quando havia decidido que teria Cecília em casa, sendo acompanhada por excelentes profissionais (parteiras e doula) as quais eu tive o prazer de descobrir que estavam em uma cidade vizinha a minha. Meu pai me deu todo o apoio, pagou parte do meu PD e sentia um orgulho danado, pq  meu avô era parteiro e ele e os meus tios nasceram em casa.

A essa altura completamente apaixonada pelo bebê que eu gerava e com uma certeza cega de que teria minha filha do jeito que sonhei, aqui na minha casa junto com marido e nossos bichos, onde essas histórias absurdas de desrespeito não passariam nem perto de nós eu estava só na expectativa, vibrando com cada amiga do tópico março (grupo virtual de mulheres com DDPs  próximas a minha) que conseguia parir e sofrendo com as que de fato desejavam isso e não conseguiram.


Cheguei as 40 semanas sem ansiedade alguma, entrei na 41ª e ainda estava calma, estávamos indo toda semana nos encontrar com a Flávia nossa doula e me preparando para o grande dia... Se aproximando da 42ª graças as cobranças de amigos e familiares comecei a ficar ansiosa, sentia alguns sinais a noite e logo eles sumiam, à essa altura eu fazia USG por minha conta toda semana e as parteiras vinham me visitar em casa com frequência, na ultima USG a radiologista tentou me apavorar, na hora só me irritei mas aquelas palavras negativas entraram em mim e ficaram martelando...
Comecei a ser extremamente grosseira com os palpiteiros de plantão que vinham com sutilezas nas palavras, mas me chamavam de irresponsável pelas costas...

Comecei a ficar ansiosa e no domingo dia 11/04 a Patrícia parteira veio pra minha casa a noite me avaliou disse que a dilatação estava começando, me aplicou reike, conversamos mto e ela me acalmou novamente... Segunda feira comecei a perder o tampão e estava exultando de felicidade, o meu momento estava chegando... Fizemos despedida da barriga, meu marido fez uma pintura linda e nós estávamos super confiantes.. mas nada engrenava...

Eu estava com o sonar da Kátia em casa auscultando a Cecília o tempo todo.
Terça feira, com 42ª e 2 dias meu pai que me dava força, apoio e confiava nas minhas escolhas desmoronou, ligou nervoso e chorando falando que eu estava pondo minha filha em risco, briguei com meu pai Tb. Fiquei sem chão, recorri um medicamento natural para induzir a Pu****la, e comecei a ter umas contrações fiquei feliz e fui dormir... 

Acordei meu marido as 5 da manhã com uma dor de cabeça insuportável e vomitando em jatos, verifiquei minha PA e estava 150X100, esperei dar 7 horas da manhã e liguei pra Patrícia, ela conversou com a Kátia e me retornou dizendo que eu deveria ir ao hospital, aqui em Taubaté eu não teria escolha se fosse pro hospital não escaparia da cesárea, foi qdo decidimos ir pro Hospital São Francisco, referência de parto humanizado no Vale do Paraíba mesmo sabendo que meu convênio não era atendido lá, ia ser SUS, mas isso não me incomodava pq pensei que controlando a PA eu fosse voltar pra casa.
Chegando lá, passado o sermão médico pelo pós-datismo, o, GO plantonista me atendeu mto bem, só ñ me deixou ir embora por causa da PA alta e pela IG, mas me garantiu que eu iria pro Centro de Parto Humanizado e seria tudo o mais próximo do que eu desejava( parto natural, pq não ousei dizer que esperava um parto domiciliar), só ñ poderia ter a cia das parteiras pq meu convênio não era atendido pelo hospital e minha internação seria pelo SUS comportando só 1 acompanhante, que seria meu marido comigo todo tempo e o parto seria feito pela Zizi enfermeira Obstetra e parteira super humanizada.

Apesar do medo de hospital eu senti segurança, e já estava tão perto de parir que não me preocupei.

Como eu já estava com qse 4 de dilatação, ele me colocou no soro com ocitocina, 5 gotas por minuto, bem lento só pra dar uma "moral" pro meu útero contrair, já que a o TP não engrenava pela falta de contrações precisas.

Cheguei no centro de parto, Zizi nos recebeu mto bem, colocaram o soro e fui pro chuveiro, ela deu um óleo pro Rahael ir massageando minhas costas e nos deixou lá.
As contrações foram ficando fortes e nós cada vez mais feliz, tínhamos certeza que a nossa pequena estava chegando...

Quando deu 17:00 Zizi entrou no quarto e fez o toque, disse que eu estava com um pouco mais de 5 cm, que era pra me movimentar mais e ficar mais no chuveiro, assim o fiz... Logo ela voltou no quarto e disse q estava largando o plantão e que o GO plantonista é quem faria meu parto. Nessa hora meu deu mto medo, mas tentei não ficar nervosa pq ela disse q eles só iriam lá ver a dilatação e depois apareceriam só no expulsivo.

As dores foram ficando intensas nisso a Patricia, uma das Enfs q faria meu PD conseguiu entrar no hospital escondida e ficou lá comigo, logo uma colega de faculdade que é funcionaria do hospital passou pra me ver Fui ficando mais tranqüila  as dores mais fortes
Até que lá pelas 18:30 entra a GO plantonista, uma mulher bem nova e grossa, mal falou comigo, veio disse o nome dela, perguntou pq eu esperei tanto tempo, qdo respondi q era pq estava esperando o tempo da minha filha, ela fez cara de desprezo, calçou uma luva e fez um toque que me levou até o inferno... Tirou a luva, apalpou minha barriga e disse, sua dilatação ta lenta e essa criança é enorme, não sei o que vc está fazendo aqui que já não foi logo tirar.

Fiquei quieta, e ela me mandou ir pro chuveiro bem quente e rezar pra dilatar..
Eu fui, já estava apavorada mas fui, por volta das 20:00 as dores estavam insuportáveis, caia mtq secreção mucosa no chão e eu sentia as contrações forçando o colo do útero e agradecia a Deus, eu estava dilatando!!

Mais uma meia hora, e eu creio que devo ter chego na porta da partolândia, não queria mais a luz acesa, a dor era mto forte, me lembro que o porteiro veio no quarto manda 1 acompanhante sair, mas já não entendia bem oq acontecia... Mais uns minutos no chuveiro e comecei a ouvir as vozes longe não percebi qto tempo passou, mas a luz do banheiro e do quarto se acenderam e a aux de enfermagem me disse que era pra deitar na cama, na hora eu fui , não senti medo, pensei que estivesse na hora... Mas não a mulher estourou minha bolsa e fez toque... 

E disse que não ia esperar mais, pois havia mecônio (mto pouco e claro), era um bebê enorme e era pós-data.

Eu, só percebi o que estava acontecendo quando começaram a me vestir camisola e tentaram tirar meu brinco, nisso cai na real e perguntei se ia fazer cesárea, a medica acenou com a cabeça dizendo que sim  e saiu do quaarto, eu comecei chorar e gritar, e assim fui pro centro cirúrgico, com 2 funcionarias da enfermagem segurando meus braços, não permitiram que o meu marido entrasse comigo, pq disseram q ele teria q fazer um curso...
Quando entrei lá, o anestesista e a médica começaram a mandar indiretas sobre parto humanizado, dizendo que essa ladainha enchia o saco, que a médica se referiu a mim pra pediatra como: pós-datismo de 42+3 histérica, com mecônio e fazendo graça pq queria continuar no centro de parto e com um cenário armado dentro do quarto :bola, marido fazendo massagem no chuveiro, enfermeira obstetra e cadeirinha de parto, só faltou uma doula de incenso aceso pro circo ficar completo.

Não ouvi qualquer resposta da pediatra, eu chorava muito e o anestesista não esperou nem um espaço entre as contrações que estava uma da atrás da outra e fez a anestesia...

Questionei mais uma vez sobre o acompanhante, se a Patricia não poderia me acompanhar ela era enfermeira obstetra não precisava de curso nenhum, o anestesista disse que não, pois eu estava chorando muito e não merecia acompanhante e que não era pra tanto drama, já que eles estavam acabando com o meu sofrimento.

Fiquei tão dopada com a anestesia que tive dificuldade pra respirar, ele enfiou um cateter de O² no meu nariz e saiu sem dizer nada.

Senti uns puxos no meu quadril( estavam tracionando a Cecília, pq ela já estava quase no canal de parto) e logo um choro alto e forte, comecei a gritar pra tirarem o campo e não me atenderam, não me mostraram minha filha nem de longe, eu comecei a ouvir o choro ficar mais alto e o vácuo ser ligado, eu pedi pelo amor de Deus pra não aspirarem nem pingarem o nitrato, mas ninguém me atendeu, depois disso o choro continuou, fiquei sozinha na sala de pós anestesia e continuava ouvir ela chorar sozinha no berço aquecido.
Foi o pior momento da minha vida, mais de uma hora depois foram me levar pro quarto, ai colocaram ela enrolada em cima de mim, mas eu não podia levantar a cabeça pra ver o rostinho dela.

Fiquei por 2 dias no hospital, em alojamento conjunto e eu que morria de ciúmes do bebê que estava na minha barriga, tinha que depender da bondade das outras mães para me ajudar a segurar minha filha no colo tamanha era a dor que eu sentia.

Não tive uma gota de leite, por N motivos, stress, medicação em excesso enfim, tivemos alta com ela tomando LA com sonda de relactação.

“O comentário no hospital era que eu devia ter algum distúrbio psiquiátrico, pq fiz um escândalo e não pensei no “ bem estar da minha filha”, ela se espantou que eu sendo enfermeira tenha dado tamanho pití no hospital.”

Quando olho pra Cecília é um misto de felicidade e sofrimento, estou feliz por te-la linda e saudável, mas sofro demais por tudo que ela passou nos primeiros momentos de vida, fui em busca de um hospital humanizado e eu e a minha filha fomos submetidas a todo tipo de desrespeito e maus tratos.
A dor física é muito grande, mas dor na alma é imensurável. Roubaram-me algo que nada poderá trazer de volta, roubaram o momento mais importante da minha vida.



A Thaís está grávida novamente, de um menino que se chamará Francisco! Daqui há uns meses venho aqui postar o relato do VBAC dela!

4 comentários:

Maíra disse...

Nossa, até arrepio...
É tão duro ouvir histórias como essas, e já ouvi (e vivenciei) tantas... cara, lamentável. Ô país de merda que a gente vive, viu. Sem mais.

lola aronovich disse...

Aretha, nossa, que sofrimento imenso da Thaís, e que comentário sem noção esse daí de cima... Horrível.
É um ótimo exemplo de violência obstétrica e eu gostaria de publicá-lo sim, se vc e a Thaís me permitissem. Mas gostaria também de tirar algumas dúvidas com as siglas (e também alguns dos nomes), pra ficar mais claro. Eu sou leiga no assunto, não sou mãe, não sou enfermeira, e muitas das minhas leitoras estão no mesmo barco. Por isso, pra que o relato ficasse ainda mais compreensível, eu precisaria tirar algumas dúvidas. Bom, por favor, entrem em contato comigo: lolaescreva@gmail.com
Obrigada pela dica! Ótimo post.

Wanessa Motta disse...

Minha Nossaaaaaaa ... isso não poderia acontecer é realmente um absurdo.
Estou morrendo de medo disso acontecer comigo, conheço muita gente que fez relatos similares ... é um desrespeito e falta de humanização.

Anônimo disse...

Nossa... impossível não chorar... Me identifiquei com alguns trechos...

Eu ainda n tive coragem de escrever meu relato de parto. Fui parir em um hospital privado, dito "humanizado" aqui em Florianópolis. Ainda vou me queixar à direção do hospital e fazer uma denúnca à ANS. Meu trabalho de parto estava indo bem, fase latente tranquila, ainda sem dilatação, mas eu estava conseguindo trabalhar bem. Qdo cheguei no hospital, o plantonista olhou pra mim e falou do meu "quadrilzinho", me pressinou para fazer cesárea no plantão dele, colocou a responsabilidade do bem estar da minha filha em mim, fez um toque grosseiro e doloroso, não respeitou minha privacidade, fez troça dos traços de mecÕnio que tinham no líquido amniótico (a médica do pré-natal viu e disse que estava OK). O cara ainda n foi me ver qdo internei, instalou antibioticoterapia sem necessidade (a gente na ignorância acha que os protocolos podem ser diferentes). Qdo o cara saiu do quarto, eu comecei a chorar desesperada, não queria que ele me assistisse no parto de jeito nenhum. Aí, para não ter esse animal do meu lado, a gente chamou um outro médico que apoiava o PN (foi o que fez o pré-natal e parto da minha irmã). Isso não estava nos planos, pq o convênio não cobriria o chamado... mesmo assim, o chamado dele era menor que o da obstetra do pré-natal.
Todo esse estresse me levou a uma adrenalina infernal, que degringolou meu TP. Eu tinha dor física e dor pelo desrespeito, e fui enfraquecendo à medida que a dor aumentava. Acabou virando uma cesárea, e ainda tive que ouvir de uma técnica de enfermagem no CC ela desrespeitando a minha doula: "vc é toula... toula" e comentando que "sabia que ia virar cesárea".